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Para o iFood, entregadores são ‘trabalhadores’; para o governo, ‘empreendedores’

O diretor-jurídico do iFood, Lucas Pittoni, em entrevista ao Estadão na semana passada, defendeu a necessidade de se assegurar direitos sociais aos trabalhadores contratados através da plataforma. Embora não tenha reconhecido a condição de “celetistas” dos entregadores (por decorrência do que vê nos tribunais trabalhistas), Pittoni foi claro em afirmar o que para todos já parece óbvio demais: esses profissionais vivem do trabalho e prestam-no para as empresas que gerem os aplicativos de entrega de comida.  O executivo não apenas reconheceu esse fato, mas foi ainda além: os trabalhadores devem ser protegidos por leis sociais e as empresas devem contribuir com algum tipo de contrapartida nos custos dos benefícios.

Não vou adentrar aqui ao mérito de debater se os trabalhadores “uberizados” ou “ifoodados” são ou não empregados no sentido da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Para mim o são e, no mínimo, caracterizam-se como trabalhadores avulsos (trabalho sob demanda), sendo, portanto, merecedores de todas as proteções do artigo 7º. da CLT. Mas isso não vem ao caso neste momento, pois há uma questão precedente a qualquer debate jurídico sobre o correto enquadramento de motoristas ou entregadores de aplicativos. É preciso estabelecer se eles são “trabalhadores” ou “empreendedores”. Isso faz toda a diferença em relação ao tratamento laboral, previdenciário e tributário que devem receber.

O atual governo brasileiro, através da Secretaria de Competitividade, Emprego e Produtividade, do Ministério da Economia, passou a classificar desde 2019 os motoristas/entregadores de aplicativos como “micro empreendedores individuais”, regulamentando sua formalização como MEI.

Pergunto-me como esses “empresários” podem ampliar o seu negócio. Como podem decidir a gestão do seu negócio e estabelecer livremente o preço do seu “serviço”.  Evidentemente, dizer que esses heróis do delivery estão desempenhando uma atividade empresarial só pode ser a mais delirante das conclusões. Em nenhum lugar do mundo ocidental capitalista se defende, nos dias de hoje, tão bizarro entendimento.

O curioso é que o próprio diretor do iFood o reconhece, ao afirmar que em outros países já há um consenso de que os entregadores de aplicativo devem ser protegidos como … “trabalhadores”.  Assim se expressou o seu diretor jurídico: “temos acompanhado essa discussão em outros países também. Estudamos muito o que vem acontecendo na Índia, na Colômbia, onde a gente também tem uma operação, e na Europa. E parece ser um consenso na maioria dos países que existem algumas especificidades nessa forma de trabalho que demandam um olhar mais dedicado, mais específico. (…) No Reino Unido, teve uma decisão recente da corte superior… lá você tem uma figura intermediária entre o trabalhador tradicional e o trabalhador independente, que era a figura anterior (aplicada ao entregador). O que essa decisão fez foi colocar os motoristas nessa figura do meio, que é o ‘worker’, que tem alguns direitos que o trabalhador independente não tem, mas não está na figura do vínculo de emprego tradicional.”

Ou seja, a maior empresa de entrega de comida via aplicativo do país reconhece que, como em todo o mundo, os entregadores precisam ser tratados como trabalhadores e destinatários de algum grau de proteção legal. No entanto, para o governo brasileiro, esses trabalhadores são “MEI”.  O descolamento da realidade do ministério de Paulo Guedes, no assunto, é tão grande que o seu secretário Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade, Carlos Alexandre Jorge da Costa, chegou a comparar os aplicativos de transporte e entrega a plataformas de namoro. Vejam o que ele afirmou à Folhapress em 30 de agosto de 2019: “É como se a pessoa que usasse o Tinder fosse funcionário do aplicativo. Não faz o menor sentido isso. Ele está usando a plataforma que faz a intermediação”.

Sim, incrível, o secretário do governo federal responsável pelo “emprego” compara plataformas que operam um serviço de transporte mediante contratação de uma massa enorme de trabalhadores a outras que promovem encontros para fins de relacionamento pessoal. Isso quando em todo o mundo desenvolvido (e agora no Brasil com a iFood) as próprias plataformas reconhecem que devem tratar os motoristas/entregadores como “trabalhadores”, com direitos sociais. O governo Bolsonaro, na sua política de “emprego”, quer ser mais realista do que o rei.

O diretor jurídico do iFood, Lucas Pittoni, critica inclusive a utilização do “MEI” para formalizar o trabalho dos entregadores: “Se o MEI de fato for usado como solução da forma como ele é hoje, a gente vai criar um problema para o futuro”.

Talvez ainda mais absurdo do que o tratamento dado à questão pelo governo federal seja a adesão de muitos juízes do Trabalho à tese estapafúrdia de que trabalhadores controlados e geridos pelos algoritmos das plataformas são “empreendedores”, com liberdade para gerir um “negócio”, mesmo que o seu grande capital seja um carro velho ou uma bicicleta alugada e que não tenham sequer a capacidade de fixar o valor do seu “serviço”. É a própria negação do sentido dicionarizado de “trabalho”. De nada adianta estudar leis se não se conhece o sentido elementar das palavras.

CÁSSIO CASAGRANDE – Doutor em Ciência Política, Professor de Direito Constitucional da graduação e mestrado (PPGDC) da Universidade Federal Fluminense – UFF. Procurador do Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro.

Fonte: JOTA

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